quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

VIDA além da violência - matéria publicada

Pessoal quero compartilhar a matéria publicada na Revista do Correio de domingo, 12/02/2012 sobre violência contra as mulheres. Dá um enfoque especial a partir do
título: “VIDA além da violência”, mas sabemos que essa vida além da violência é muito dura e distante da maioria das mulheres que passam por todas ou várias formas de violência praticadas contra ela. O Município, na verdade, está muito mal de políticas públicas neste sentido. Pintam muito bem algumas medidas como Casa passagem e capacitação para o trabalho, mas são insuficientes. Sem elas
estaríamos piores, não tenho dúvidas, mas sem avanços ficam prejudicadas.



TIRE SUAS DÚVIDAS
Quais as principais formas de violência praticadas contra a mulher?
- Violência física: qualquer ato que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
- Violência psicológica: qualquer ato que lhe cause dano emocional e
diminuição de autoestima;
- Violência sexual: qualquer ato que a constranja a presenciar, a
manter ou a participar de relação sexual não desejada;
- Violência patrimonial: qualquer ato que configure retenção,
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos;
- Violência moral: qualquer ato que configure calúnia, difamação e injúria.

O que deve fazer uma mulher vítima de agressão?
Ligar para a Central de Atendimento à Mulher (180), acionado de
qualquer terminal telefônico, 24 horas, todos os dias da semana. O
atendimento informa e orienta as mulheres quanto ao que fazer. A
mulher também pode comparecer à delegacia mais próxima, registrar a
ocorrência e solicitar as medidas protetivas de urgência. Ela também
pode procurar, no caso do Colombo, ( CRAS Maracanã ,CRAS Rio Verde
CRAS Roça Grande CRAS SEDE CRAS GUARAITUBA CRAS Graciosa e a União das
Mulheres de Colombo).

Após o registro na Delegacia de Atendimento à Mulher Policia Civil
Alto maracanã e Sede), a vítima estará integralmente protegida pela
Lei Maria da Penha?
Na esfera policial, a vítima vai requerer as medidas protetivas,
cabendo ao juiz apreciá-las em 48 horas, após o recebimento. Elas
somente produzirão efeito após apreciação e determinação judicial. A
partir daí, o agressor, caso as descumpra, terá praticado crime de
desobediência e estará sujeito a ter decretada sua prisão preventiva.
Entre as medidas protetivas de urgência estão: suspensão da posse ou
porte de armas; afastamento do lar ou da convivência com a ofendida;
proibição de aproximar-se ou fazer qualquer meio de contato com a
ofendida, seus familiares e testemunhas; restrição ou suspensão de
visitas aos dependentes menores, entre outras determinações. Além das
medidas protetivas, a vítima poderá imediatamente ser encaminhada à
casa de Passagem. Em Colombo, o encaminhamento das mulheres é
realizado pela policia civil de Colombo,pelos CRAS de Colombo após o
registro do boletim de ocorrência contra o agressor.

Qual é o procedimento policial após o registro da ocorrência? O
agressor será preso?
Depende da situação. Ao verificar-se situação de flagrante de delito,
o agressor será autuado e encaminhado, após o procedimento, à
carceragem do Departamento de Polícia Especializada e, posteriormente,
ao sistema penitenciário, ficando à disposição da Justiça. Há casos em
que a lei permite pagamento de fiança. Não sendo caso de prisão em
flagrante, o fato será registrado, a vítima, as testemunhas e o
agressor serão formalmente ouvidos, e colhida representação ou
requerimento da ofendida, quando houver. Todos os antecedentes
criminais do autor serão pesquisados e juntados ao procedimento. O
conjunto dessas diligências irá instruir o inquérito policial.

Como a mulher que depende financeiramente do seu agressor deve agir
quando enfrentar situações de violência doméstica e familiar?
O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação
de violência doméstica e familiar no cadastro de programas
assistenciais dos governos federal, estadual e municipal. Entre outras
medidas, o juiz pode determinar a recondução da ofendida e a de deus
dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas
e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a ofendida, entre outras medidas.


Pode um terceiro registrar a ocorrência em casos de violência contra a
mulher ou apenas a vítima pode fazê-lo?
Nos crimes de ação pública, qualquer pessoa pode noticiar uma
violência. Nos crimes de ação pública condicionada à representação da
vítima, a notícia-crime de terceiro só terá prosseguimento se a vítima
também representar contra o agressor. Nos crimes de ação privada —
tais como crimes de injúria, calúnia, difamação —, somente a vítima
poderá noticiar.
(Fontes: Cartilha Lei Maria da Penha & Direitos da Mulher, de 2011,
org. Ministério Público Federal/Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão – PFDC e Secretaria de Estado da Mulher do DF)

REPORTAGEM DE CAPA »
Vozes na escuridão
Relatamos a história de três mulheres que sofreram agressões físicas e
psicológicas dos seus companheiros e, com muita coragem, decidiram dar
um basta aos abusos. Elas percorreram - e ainda percorrem - um caminho
difícil, mas sem volta

Maria Júlia Lledó
Maria Fernanda Seixas
Publicação: 10/02/2012 16:14 Atualização: 12/02/2012 13:20     
A favor de histórias como as de Fátima, Denise e Carolina, diversas
entidades sociais e governamentais despertaram para políticas públicas
de assistência a vítimas da violência. Mesmo que muitas delas ainda
retirem ou arquivem as denúncias, retornem à casa dos companheiros ou
entrem em novos ciclos de violência, o fato é que hoje há mecanismos
para que consigam se restabelecer longe do agressor. O auxílio conta
com psicólogos preparados para enfrentar essas situações, assistentes
sociais, atendimento jurídico, além de assistência pedagógica para os
filhos.
O foco na inserção da mulher no mercado de trabalho é uma importante
ferramenta para o futuro da vítima de agressão. Porém, não é uma
solução indefectível. Mulheres independentes financeiramente também
sofrem violência doméstica, com a diferença de que — a priori — não
dependem da máquina do Estado para reconstruírem suas vidas. A única
certeza que as vítimas têm é de que denunciar ainda é o melhor
caminho. Não só para que o agressor saia da obscuridade, mas também
para que possam retomar o controle da própria vida.
Lei Maria da Penha — Farmacêutica-bioquímica, a cearense Maria da
Penha Maia Fernandes foi vítima de um marido agressivo e sofreu duas
tentativas de homicídio. Graças ao empenho dela, o governo federal
brasileiro sancionou a Lei nº 11.340/2006 para evitar qualquer tipo de
tolerância aos maus-tratos sofridos pelas mulheres. Neste ano, a lei
completa seis anos de vigência.
Ciclo da violência — O homem agride, pede perdão, jura que não vai
bater de novo. Ela acredita que ele vai mudar e as coisas ficam
tranquilas por um tempo. Experimenta-se uma lua de mel até que os
problemas se intensificam e ocorre mais uma vez a agressão. Dessa vez,
mais grave. Segundo o psicólogo Luiz Henrique Aguiar esse é um ciclo
em espiral, em que há um aumento de intensidade. “Como consequência,
pode chegar ao ponto em que ela perceba que ele não vai mudar, tente
se separar e aí ela passa a correr risco de ser assassinada pelo
agressor. Os crimes passionais acontecem, na maioria das vezes, nessa
fase”, acrescenta o especialista.


Todos os nomes citados nesta reportagem são fictícios
    
  Capítulo I — Infância roubada
“Briguei com minha mãe e meu pai para ficar com ele aos 13 anos. Não
namorei nem um mês e já fomos morar juntos. Pensava que o conhecia,
até que chegou a primeira vez que ele levantou a mão para mim. Não
falei nada. Apanhei desde os 13. Eu não podia sair de casa. Ele sempre
foi violento, com droga ou sem droga. Não importava o dia nem a hora.
Batia sem motivo: com ciúme ou sem ciúme. Logo fiquei grávida. Mesmo
assim, ele me bateu. Não importava se eu ia perder o bebê ou não.
Quando eu ganhei o Fábio*, ele nasceu com um probleminha na cabeça.
Minha sogra e o namorado dela quiseram tirar meu filho e conseguiram.
Assim que ele saiu do hospital, ele foi direto para a casa dela.
Entrei na Justiça e consegui pegar o Fábio de volta quando ele tinha 6
meses. Eu ainda estava com o pai dos meus filhos porque, quando a
gente gosta, fica naquela dúvida: separo ou não? Tive outro filho, o
Tadeu*. Com ele foi a mesma coisa. Quando eu estava grávida, ele me
jogou no chão e quase perdi o neném. Ele nasceu de sete meses, nasceu
branco e prematuro, e ele levantou a mão para o menino. Não quis dar
meu filho (para a sogra) e ele meu bateu. Fomos para a casa da mãe
dele e ele me trancou no quarto da irmã, me bateu até sair sangue do
meu nariz e sujou todo meu vestido. Quando ele saiu do quarto, vi o
celular da irmã dele e tentei ligar para minha tia. Não consegui falar
com ela, nem com minha mãe. Saí do quarto e fui embora com ele,
caladinha, fingindo que nada tinha acontecido. Minha sogra me falou:
‘Você não vai pegar seu filho?’ Respondi: ‘Não vou fazer nada não. Tá
tudo bem’. Minha vizinha me viu toda suja de sangue e ligou para a
polícia. Quando a polícia apareceu, eu falei a verdade. Meu vacilo foi
não ter mostrado meu vestido porque, quando eu ia mostrar, minha sogra
tomou o vestido de mim. Não adiantou. Chegando na delegacia, fiz a
ocorrência. A polícia chamou ele, a mãe e a irmã. Eles negaram tudo.
Foi aí que falaram que o pai dos meus filhos ia ficar detido. Depois
da ocorrência, falaram para eu ir para minha casa porque dava tempo de
pegar meus filhos. Não me preocupei com mais nada. A única coisa que
eu queria era os meninos. Peguei uma muda de roupa e fui para a casa
da minha tia. Me escondi lá até ir com a minha mãe para a Delegacia da
Mulher e para o Juizado de Menores. Depois, fui para a Casa Abrigo.
Agora, ele está que nem um louco atrás de mim, mas estou segura. Estou
pensando no que eu vou fazer da minha vida, porque agora eu sou a mãe
e o pai deles. Quando eu sair daqui, não vou voltar para ele. Já sofri
demais. Agora, quero estudar, trabalhar, passar coisas boas para meus
filhos. Mas minha vida já mudou muito: não apanho mais e meus filhos
não correm o risco de ficar viciados em crack. O que me dói mais é que
meus filhos vão ver os amiguinhos com o pai e vão se perguntar: ‘Cadê
meu pai?’. Eu posso tentar dar o amor de pai para eles, mas não vou
conseguir porque é totalmente diferente do amor de mãe.”
Fátima*
    


Capítulo 2 — Um dia depois do outro
Carolina* estava no último ano do ensino médio, perto de prestar o
vestibular para o curso de psicologia. Morava com os pais, tinha um
carro próprio, não precisava cozinhar, lavar, nem cuidar da casa. Sua
única obrigação era estudar e tirar boas notas. Até que, dentro de um
contexto familiar de brigas, que culminaram na separação dos pais, ela
saiu de casa para morar com o namorado. Na época, tinha 18 anos e hoje
ela diz que só não se arrepende da atitude rebelde da adolescência
porque carrega nos braços Daniel*, de 2 anos, e Fernanda*, de apenas 5
meses. Aos 23, Carolina minimiza a situação grave pela qual passou
porque não foi agredida fisicamente. Mas não houve um dia em que,
psicologicamente, ela não se sentisse mutilada.
Constantemente humilhada pela sogra e pelo marido, ela tinha o mundo
restrito a um cômodo de poucos metros quadrados. Naquele espaço, vivia
com os filhos. O marido se limitava a trazer a comida para a casa, mas
nunca se sentou com Carolina para uma única refeição ou para
conversar. “Ele não quis deixar de ser filho para ser marido. Queria
ter os dois papéis, mas não conseguiu. No quarto, ele só dormia. O
resto do tempo, ficava com os pais”, relata.
Recolhida, ela enfrentava as críticas da sogra. Ela ainda dizia ao
neto, quando ele saía do quarto da mãe, que estava livre e deveria
aproveitar a “liberdade condicional”. Privada de amigos e da conclusão
do ensino médio, porque o marido considerou inapropriadas as
companhias da esposa, e as aulas noturnas inconvenientes para a
dinâmica da casa, Carolina se encolhia cada vez mais. Tampouco podia
trabalhar.
Cogitou a hipótese de voltar para a casa da mãe, que agora morava com
o namorado, ou do pai, que também tinha outra companheira. “Como eu
saí de casa sem dar satisfação, meus pais abriram mão de mim. Também
discuti com o namorado da minha mãe porque ele começou a bater nos
meus irmãos e meu pai nunca bateu na gente. Voei em cima dele,
brigamos feio, e minha mãe pediu para eu não voltar”, recorda.
Há menos de um mês, cansado da discórdia entre a mãe e a mulher, o
marido de Carolina chegou em casa, brigou com ela e mandou que ela
pegasse as crianças e uma trouxa de roupas. Largou mulher e filhos na
rua, próximo à antiga residência do pai de Carolina. Desesperada, sem
saber para onde ir, ela pediu a ele pelo menos algum dinheiro para
alugar um espaço, onde moraria com os filhos. “Até porque quando nos
juntamos, vendi meu carro para ajudar a comprar as coisas da casa. Mas
ele me falou: ‘O dinheiro do seu carro pagou esse tempo todo que
passei vivendo com você’. E foi embora.”
Com uma criança de colo e outra chorando de fome, Carolina viveu seu
pior pesadelo: não ter para onde ir nem o que comer. “Me vi sem chão,
porque eu não podia ir para a casa do meu pai, não podia ir para a
casa da minha mãe, então, o que ia fazer? Falei com uma assistente
social e ela me falou da Casa Abrigo. Fui então para a delegacia, fiz
a ocorrência e, de lá, fui para a Casa Abrigo”, lembra. A princípio,
Carolina pensava se tratar de um galpão frio, repleto de colchões
espalhados pelo chão, banheiro sujo e nenhuma assistência para as
crianças. Mas não foi isso que experimentou.
Há pouco mais de uma semana, Carolina está abrigada em um espaço
destinado às mulheres em situação de risco, seja por ameaça de morte
feita pelo companheiro ou, no caso dela, por não ter para onde ir.
“Foi como se acendessem uma luz. Comecei a ver que há uma solução para
mim. Me sinto mais forte para seguir em frente e cuidar dos meus
bebês. Sem precisar relembrar o que eu passei.”

projetos da união das mulheres de Colombo casa só para elas
    
A união das mulheres luta para ter uma casa é um local que dá garantia
de defesa e proteção às mulheres e às meninas vítimas de violência
doméstica e sexual que correm o risco de morte. O sigilo da
localização é para segurança das abrigadas. Tanto que, a cada dois
anos, a Casa Abrigo deve mudar de lugar. Nem mesmo a família das
mulheres e crianças que lá estão após encaminhamento da Delegacia de
Atendimento à Mulher sabem o endereço do espaço. As mães e os filhos —
meninos até 12 anos — permanecem na instituição por até 120 dias.
Com capacidade para atender até as mulheres, com  espaço tem 10
suítes, piscina, área para lazer e prática esportiva, refeitório, sala
com televisão, além de acompanhamento psicológico, pedagógico,
jurídico e assistência social. As abrigadas também têm prioridade no
sistema de saúde, transporte e segurança para locomoção quando
necessário. Os filhos com idade escolar também são matriculados no
colégio mais próximo, para onde vão em transporte da instituição.
A União das Mulheres de Colombo, a presidente Gisele explica que o
atendimento oferecido pelos profissionais é de suma importância para
que as vítimas de violência doméstica possam se reinserir na
sociedade. “Ao longo desse período na Casa Abrigo, elas têm contato
sistemático com psicólogos. Aos poucos, elas vão se abrindo. De
início, a gente dá muito mais colo e escuta. Nosso trabalho é melhorar
a autoestima delas e, quando fazemos terapia em grupo, não abordamos
temas que vão deixá-las ainda mais para baixo. Elas precisam entender
que existe vida após o abrigamento, que podem se inserir no mercado de
trabalho. O abrigamento é um espaço para elas se fortalecerem, se
reerguerem e começarem uma nova vida.”

    
  Capítulo 3 — Começar de novo
Denise* levantou às 4h da manhã. Como de costume, preparou a marmita
do marido e arrumou a mesa do café da manhã. Carlos* acordou, se
vestiu, comeu, deu um beijo na mulher e foi para o serviço. Enquanto
recolhia a louça suja da mesa, a mulher de 40 anos repetia em sua
cabeça, como um mantra, que nunca mais seria forçada a se deitar com
ele. O cheiro do café preto recém-passado ainda passeava pelos cômodos
da casa quando Denise abriu o armário e começou a pôr suas roupas e as
dos filhos em sacolas plásticas. Acordou as crianças, as vestiu e
avisou que iam embora. Denise fechou a porta de ferro fundido com o
cadeado, trancou o portão e, com as crianças, caminhou pelas ruas de
barro até a rodovia, por cerca de 45 minutos, até chegar à delegacia
mais próxima. Depois de 10 anos como vítima de violência doméstica,
aquela era a primeira vez que denunciava seu marido e algoz.
Na delegacia, Denise contou sua história. Torturas físicas, ameaças de
morte, abusos sexual e moral. Os policiais ouviram o relato,
preencheram fichas e a aconselharam a voltar para casa. Perplexa com a
sugestão, que soava como uma sentença de morte, ela pediu
encaminhamento para o abrigo feminino. O policial a desaconselhou.
Disse que o local mais se assemelhava a uma prisão para as mulheres e
que as crianças sofreriam lá. Denise insistiu e o delegado a
encaminhou ao Conselho Tutelar. O conselheiro, ao ouvir seu relato,
ligou para a delegacia e reprovou a atitude dos policiais. Depois de
quase 12 horas de espera, a Delegacia de Atendimento à Mulher foi
acionada. Em pouco tempo, buscaram Denise e as crianças. No fim da
noite, finalmente, chegaram ao abrigo. E lá passaram 50 dias corridos.
Foram as sete semanas mais tranquilas e felizes da vida deles, como
contaram à equipe de reportagem da Revista.
O primeiro ano do casal foi feliz. Ela teve o primeiro filho e, depois
de alguns meses, começou a trabalhar. Um dia, ao chegar do serviço,
sofreu a primeira agressão. Depois de segui-la pelas ruas, Carlos a
acusou de traição e lhe deu um tapa no rosto. Horas depois, estava
arrependido. Fez juras de amor, pediu desculpas, mas as agressões se
tornaram constantes.
Dois anos se passaram e Denise engravidou novamente. O marido, porém,
não acreditava que o filho fosse dele. A fixação era tanta que, além
dos tapas, que com o tempo já tinham se transformado também em socos e
chutes, Carlos chegou a retalhar o corpo da esposa. Na frente do
filho, que chorava descontroladamente, fez cortes no pescoço e no
braço de Denise com uma faca, até que ela admitisse a traição. Ele
jurava que a mataria se ela ousasse ir à delegacia.
As ameaças se tornaram diárias. A última grande briga foi quando ele
tentou matá-la com um facão. Denise conta que quem impediu a desgraça
foi o filho de 3 anos, que, ao ouvir o pai chamando a mãe de
vagabunda, foi até o quarto e se jogou na frente dela. Finalmente,
Denise o colocou para fora de casa. Mas, alguns meses depois, sob
novas ameaças, ele voltou a morar com a família.
Seis anos se passaram e o pesadelo de dividir o teto com o algoz já
fazia parte da rotina. A mudança ocorreu quando Denise voltou a
estudar e começou a frequentar um curso técnico. Lá, assistiu a uma
aula sobre mulheres agredidas, que falava sobre o abrigo que acolhia
famílias vítimas da violência doméstica no DF. Foi a primeira vez que
ela enxergou um novo caminho. Dias depois, saiu de casa com os meninos
e fez a denúncia na delegacia mais próxima.
Hoje, alguns meses depois de deixar o abrigo, Denise está prestes a
terminar o curso técnico. Ganha dinheiro com a profissão que aprendeu
quando estava sob a proteção do governo. Ainda assim, depois das
sucessivas agressões e ameaças, permitiu que o ex-marido morasse no
mesmo lote. O agressor não foi preso e a denúncia, arquivada. Entre
eles, não existe mais uma relação afetiva, embora ele tente reatar.
Denise sabe dos riscos de viver tão perto do homem que por tanto tempo
a torturou, mas acredita que, apesar de tudo, Paulo sempre foi um bom
pai e cuida dos meninos para que ela possa trabalhar, estudar e tão
breve escrever uma nova história.


A outra face do problema
Na maioria dos processos, os agressores são primários, têm bons
antecedentes, emprego, residência fixa e, por isso, acabam cumprindo
pena em liberdade. Quer dizer, não vão para a cadeia. De volta à
sociedade, eles podem cometer os mesmos crimes e agredir a ex-mulher
ou uma parceira. O que fazer? Por que ele voltou a agredir? Esse homem
tem recuperação?. Estamos falando Núcleo de Atendimento à Família e
aos Autores de Violência Doméstica, o. Para a instituição, o agressor
também deve ser atendido a fim de evitar novas reincidências.
Segundo a promotora Danielle Martins, do MPDFT, deve-se levar em
consideração que a violência doméstica é relacional. “O que acontece é
que ele (o agressor) vem se relacionando com as mulheres dessa forma.
Ele só troca de mulher, mas o problema da violência subsiste”, destaca
a promotora. Sendo assim, o agressor também precisaria de atendimento.
Mesmo assim, as críticas a esse tipo de auxílio são comuns.
Que justiça  atendem aos artigos 35 e 45 da Lei Maria da Penha, que
definem a possibilidade de criação e encaminhamento judicial, com
comparecimento obrigatório, do agressor a programas de recuperação e
reeducação. Para o psicólogo e coordenador geral desses núcleos, é
possível desconstruir tal comportamento violento e auxiliar esses
homens, por meio de um acompanhamento terapêutico. “Muitas dessas
mulheres querem ter uma vida com os companheiros, o pai de seus
filhos, mas sem a violência. Elas já perceberam que um atendimento
restrito a elas não é suficiente porque a dinâmica da violência está
na família. As agressões se constróem num contexto específico e a
desigualdade de poder na relação é a principal causa. Por isso, é
importante lidar com todos os envolvidos”, esclarece o especialista.
Como não há uma procura espontânea dos homens para esse tipo de
tratamento, esses núcleos de atendimento — vinculados ao Judiciário e
ao Ministério Público — passam a ser um caminho para que os agressores
tenham seus processos arquivados. Por determinação de algumas
promotorias, o processo sobre o agressor é suspenso por, no mínimo,
dois anos, na condição de que ele faça um acompanhamento. Após um
relatório final dos psicólogos, o processo pode, então, ser arquivado.
Os homens atendidos pelos núcleos devem passar por 12 sessões
individuais — além da terapia em grupo — e podem faltar a duas, no
máximo. O acompanhamento dura de quatro a seis meses ou mais. “A gente
observa que a história deles está muito marcada pelo sofrimento.
Muitos são depressivos, alcoolistas, foram agredidos ou viram a
agressão entre pais ou familiares”, conta o psicólogo. Ou seja, para
esses homens, a violência foi naturalizada e considerada um padrão de
comportamento.
Apesar de constatar casos de recuperação de autores de violência
doméstica, infelizmente, uma vez que o processo tenha sido arquivado,
o ex-agressor perde esse acompanhamento e pode, sim, reincidir. Para
atender essa demanda, o coordenador acredita que, até o fim do
semestre, deve haver a possibilidade de que eles possam retornar ao
núcleo pelo menos uma vez por mês para que o atendimento tenha
continuidade.
  
O que a casa abrigo representa para as mulheres agredidas?
Hoje, no Municipio, temos uma política de abrigamento, uma ação
articulada que busca enfrentar essa violência doméstica de alta
complexidade. Uma violência que ocorre em relações que envolvem a
questão afetiva: marido e mãe, filho e mãe. Isso eleva o grau de
complexidade porque é muito difícil denunciar alguém tão próximo.
Nesse sentido, a política de abrigamento contempla o atendimento com
psicológico e jurídico, além de assistentes sociais, para ela ter
informações, orientações sobre processos, medidas protetivas e
assistência pedagógica para os filhos. Isso associado a um programa
com projetos específicos de empoderamento da mulher para que ela
possa, de fato, retomar a sua vida.

Aquelas que mais denunciam são mais pobres?
Não. É até recorrente mulheres mais abastadas na Casa Abrigo. O que
acontece é que, quando vão, elas não ficam três meses, mas três dias,
24 horas. Porque, diferentemente das mulheres de classes mais baixas,
ela não depende do Estado. Elas têm suas ferramentas para lidar com a
situação. As denúncias estão em todas as classes sociais. As mulheres
são afetadas igualmente em relação a isso.

Como a mulher pode se reinserir na sociedade após todo o processe de
denúncia de violência doméstica?
Há uma resposta imediata do Estado, mas também trabalhamos a
perspectiva de fortalecê-la e acompanhá-la, e, assim, garantir
condições para que possa assumir a vida com dignidade. Nisso, entram
programas de qualificação de alto nível, como o Qualificopa. Esse
programa vai inserir essas mulheres no mercado de trabalho,
aproveitando esse momento que o país vive de preparação para a Copa do
Mundo. Terá todo um processo de maior espaço de trabalho . Tanto as
mulheres que passaram pelo abrigo, quanto as mulheres que ainda estão
abrigadas participarão.

Em que tipos de atividade profissionais?
Cursos para copeira, atendende, recepcionista, webdesigner, entre
outros. Cada um com seu pré- requisito. Ela tem a liberdade de
escolha. Nós levamos as informações por meio da divugaçao e garantimos
a inscrição. Tudo com um olhar mais cuidadoso, na perspectiva de
garantir condições de segurança para ela.

Então, existe esse foco no futuro profissional?
Temos claro que um dos fatores que permite que a mulher rompa com o
ciclo de violência é a autonomia financeira. Se essa mulher tem uma
fonte de renda, uma condição de sobrevivência que a permita entrar
numa relação de igualdade com o parceiro, ela tem melhor possibilidade
de, diante de um quadro de violência, romper com ele. Se ela não tem
um emprego, uma fonte de renda, ela depende do agressor. A questão da
autonomia é um elemento importante, mas não é o único. Até porque
mulheres de classes mais abastadas, com uma boa renda, também sofrem
da violência doméstica. É um problema que se dissemina em todas as
classes.

Elas são acompanhadas depois que saem do abrigo?
Sim. Fizemos um mapeamento para poder acompanhá-las depois do
atendimento primário. Fomos atrás de todas e mapeamos nomes e
endereços para saber como se saíram. Estão inseridas no mercado de
trabalho? Estão estudando? Algumas, por exemplo, fizeram no abrigo um
curso de massoterapia, de culinária, de artesanato. Muitas delas já
saíram da casa com emprego garantido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário